Cosméticos na História – Mundo Antigo

Você já parou para pensar que os cosméticos têm milhares de anos de história? Que muito antes dos batons modernos e bases de alta cobertura, homens e mulheres já usavam produtos naturais para cuidar da aparência, marcar posição social e até se proteger espiritualmente? Se ficou curioso então vem comigo fazer uma viagem no tempo!

 

 

Os cosméticos já faziam parte do dia a dia de várias civilizações da Antiguidade — e não só como uma forma de se embelezar. Naquela época, maquiagem e perfumes estavam muito mais ligados a rituais religiosos, proteção contra o clima, cuidados com o corpo e até status social.

Textos antigos, pinturas e achados arqueológicos mostram que, além de cuidar da aparência e da higiene, os antigos também buscavam soluções pra coisas bem comuns da atualidade, como calvície, cabelo branco e rugas.

A palavra “cosmético” tem origem no grego “kosmētikós” (κοσμητικός), que significa “relativo à ornamentação ou embelezamento”. Esse termo deriva de “kósmos” (κόσμος), que significa “ordem”, “harmonia”, “universo” ou “mundo organizado”.

Os gregos antigos associavam a ideia de beleza à ordem e harmonia — daí a conexão entre “kósmos” (mundo organizado) e “kosmētikós” (arte de adornar ou embelezar), remetendo à ideia de equilíbrio e beleza, tanto no universo quanto na aparência humana.

Com o tempo, “kosmētikós” passou a designar produtos e práticas voltadas ao cuidado estético. O termo foi incorporado ao latim como “cosmetĭcus” e, mais tarde, ao português, chegando até nós como “cosmético”.

Para entender melhor a origem dos cosméticos — de onde veio essa ideia de se cuidar, se perfumar, se maquiar — e como ele atravessou milênios, nós vamos voltar no tempo para descobrir os segredos por trás dessa história. Uma jornada cheia de curiosidades, descobertas surpreendentes e até algumas receitas bem inusitadas!

 

Pré – História:

 

Na Idade da Pedra Lascada (Paleolítico), o homem primitivo já utilizava elementos da natureza — como terra, cascas de árvores, seivas de folhas, barro, orvalhos e outros recursos encontrados na natureza para retratar os animais saltando, correndo e enfrentando os caçadores em rochas e cavernas.

Também usavam para fazer pintura corporal. Guerreiros e caçadores usavam um pó avermelhado extraído das cavernas para se camuflar, assustar seus inimigos e adorar seus deuses em ritos primitivos.

Na Era da Pedra Polida (Neolítico), os humanos estão mais organizados, cultivam terras e criam rebanhos. A pintura corporal e as tatuagens passaram a ter funções simbólicas e sociais, como indicar quem era o chefe, o curandeiro ou o guerreiro da tribo.

Com o avanço da civilização, muitos membros da tribo começaram a usar pinturas e tatuagens, fazendo adornos coloridos que os diferenciassem dos companheiros. O chefe, por exemplo, usava enfeites mais altos e sofisticados, simbolizando sua autoridade — um costume que correspondem aos cocares cerimoniais ou coroas que mais tarde seriam usadas pelos reis.

Nesse processo, o ser humano passou a entender que os adornos e pinturas corporais transformavam sua aparência, expressavam sua identidade e até podiam representar um recado para os adversários. Entre muitos povos indígenas, por exemplo, há pinturas específicas para a guerra e outras para festividades, o que permite uma comunicação visual clara e codificada.

Além disso, essas práticas podiam também ter fins amorosos e sociais. Um exemplo disso são os homens da etnia Wodaabe, nas savanas do oeste da África. Durante o festival Yaake, jovens da tribo, em idade de casar, se enfeitam ao máximo para atrair as mulheres, que são as responsáveis por escolher seus futuros parceiros.

Os jovens usam toda a sua criatividade na maquiagem, na pintura corporal, nos trajes e na dança. Porque quanto mais expressivo e criativo o jovem for, maiores suas chances de ser escolhido. Por isso usam cores vibrantes e desenhos artísticos nos lábios, olhos e nas faces para chamar a atenção. Além de criar expressões felizes, de olhos arregalados para encantar as moças solteiras.

Assim como os pavões exibem suas caudas coloridas para atrair as fêmeas, os jovens de Wodaabe, exibem sua beleza através da maquiagem, da dança e do carisma.

The chlorite-schist vial and its content. (a) the carved chlorite vial containing the cosmetic preparation. (b) a general ESEM view of the composition of the substance (EDAX analytical details in text) (images by M. Vidale, F. Zorzi).

Um exemplo fascinante é o batom descoberto entre os artefatos saqueados e recuperados no sudeste do atual Irã. Um pequeno frasco feito de clorita, encontrado em 2023, continha traços de uma pasta vermelho-escura ressecada pelo tempo. Após diversas análises químicas, foram identificados vestígios de componentes minerais como a hematita, manganês e outros minerais responsáveis por produzir a coloração vermelho escuro, além de traços de galena misturados com ceras vegetais, responsáveis pela consistência pastosa do batom.  A composição dessa mistura apresentou uma semelhança surpreendente às receitas de batons modernos.

Análises de datação por radiocarbono indicaram que o cosmético data do início da Idade do Bronze, com cerca de 5.500 anos de antiguidade (por volta de 3500 a.C.).

Além disso, o formato peculiar do frasco — cilíndrico e fino – e seu conteúdo sugerem que esse tipo de cosmético não era apenas usado localmente, mas também exportado e possivelmente fabricado em outras regiões, como a antiga Mesopotâmia e o Egito. Há indícios de que esses produtos eram marcados, embalados e comercializados em recipientes padronizados, com formas específicas, o que facilitava sua identificação — prática semelhante à indústria moderna de perfumes e cosméticos.

Esse formato fino e com espessura limitada provavelmente foi pensado para ser segurado com uma das mãos, junto à alça de um espelho de cobre ou bronze, deixando a outra mão livre para usar um pincel ou outro tipo de aplicador.

Essa prática pode ser observada em representações artísticas, como em um fragmento do famoso Papiro de Turim, encontrado em Deir el-Medina (Egito) e datado do Novo Império, século XII a.C.. Nele, vemos uma jovem pintando os lábios com um pincel longo ou aplicador sólido na mão direita, enquanto segura, com a mão esquerda, um grande espelho redondo e um frasco de cosméticos cilíndrico fino, de fundo arredondado.

Com o passar do tempo, cada civilização desenvolveu, registrou e aperfeiçoou suas próprias receitas e práticas de beleza, transformando os cosméticos em verdadeiros reflexos da cultura local. Em muitas dessas sociedades, a maquiagem, os perfumes e os rituais de beleza não eram apenas uma questão estética, mas também representavam higiene, status social, identidade religiosa e até proteção espiritual.

 

Sumérios:

 

Os Sumérios foram o primeiro povo a habitar a região da Mesopotâmia, terra entre os rios Tigre e Eufrates — onde hoje está localizada a parte sul do Iraque — por volta de 6000 a.C., onde desenvolveram uma das primeiras civilizações da história.

Os sumérios também foram os primeiros a organizar a irrigação artificial em larga escala, inventaram o arado de sementes, e inventaram a escrita no final do quarto milênio a.C.  Durante o terceiro milênio, a Terra da Suméria era repleta de cidades que também eram pequenos reinos. Frequentemente eles entravam em conflito, mas às vezes se aliavam contra um inimigo comum ou para fins comerciais. Até que Sargão da Acádia conquista o poder (2340 a.C.) e unifica a Mesopotâmia, dominando as cidades sumérias, formando o que é considerado por alguns historiadores como o primeiro “império“ da história.

Na Suméria, os homens e mulheres usavam sobrancelhas grossas e unidas no centro da testa, formando um arco contínuo sobre o nariz. Suas sobrancelhas e ao redor dos olhos eram destacados utilizando pós escuros feitos com fuligem, carvão ou minerais como o sulfeto de antimônio.

Os homens costumavam raspar a cabeça e usavam longas barbas sem bigode. No entanto, com o tempo, acredita-se que problemas como infestações de piolhos tenham se tornado comuns, o que levou os homens sumérios a adotar perucas e até barbas postiças — considerados um dos mais antigos acessórios de beleza do mundo.  Já as mulheres usavam os cabelos compridos e enfeitados. Os fios eram penteados para trás das orelhas ou presos em coques altos, que cobriam parcialmente as orelhas.

Tantos homens quanto mulheres se enfeitavam com joias, usavam óleos aromáticos nos cabelos para deixá-los brilhantes, sedosos e perfumados, além de aplicarem cosméticos diversos. Usavam hena para pintar as mãos e os pés, açafrão para tingir as unhas e a palma das mãos, e frutas silvestres e argilas coloridas misturados com gorduras animais ou óleos vegetais eram usados para colorir as maçãs do rosto.

 

 

Outro legado importante dos sumérios está no campo da higiene: eles deixaram os primeiros registros conhecidos sobre a produção de uma substância alcalina usada para limpeza, descrita em tabuletas de argila. Essa mistura era obtida a partir da fervura de gordura animal com cinzas, produzindo uma solução com propriedades semelhantes às do sabão.

Embora essa preparação não fosse idêntica ao sabão moderno, já envolvia o princípio da saponificação – a reação química entre gordura e um álcali. Esse conhecimento foi fundamental para o desenvolvimento posterior de fórmulas mais refinadas utilizadas por outras civilizações.

 

Babilônios:

 

A Babilônia foi fundada por volta de 1894 a.C., no sul da Mesopotâmia (atual Iraque central, a cerca de 80 quilômetros ao sul de Bagdá), após o declínio do Império Sumério. Ela se destacou especialmente por volta de 1792 a.C., com a ascensão do rei Hamurabi, que transformou Babilônia no centro de um novo, vasto e poderoso império, governando praticamente toda a Mesopotâmia.

O rei é famoso por compilar um dos mais antigos e conhecidos conjuntos de leis escritas da história do mundo – o Código de Hamurabi. Gravado em pedra, o código estabelecia regras sobre direito familiar, patrimonial, penal e comercial, e as punições podiam ser bastante severas— baseado aí na ideia de “olho por olho, dente por dente“, para conseguir manter a paz e incentivar a prosperidade.

Os babilônios também foram pioneiros na astronomia. Observavam os astros com regularidade e registravam os movimentos do Sol, da Lua e dos planetas.

Ao longo dos séculos, a Babilônia ganhou fama como um lugar de grande extravagância, luxo e sofisticação, sendo frequentemente associada à ostentação e aos prazeres. Essa reputação foi especialmente reforçada durante o reinado de Nabucodonosor II (c. 605–562 a.C.), período em que a cidade atingiu seu auge cultural, arquitetônico e econômico.

A vaidade era um traço marcante da cultura babilônica. Tantos homens quanto mulheres utilizavam maquiagem pesada e peteados diferentes. Os babilônios não economizavam quando o assunto era aparência.

Os antigos babilônios tinham conhecimentos sobre técnicas de produção de perfumes, incluindo métodos de destilação e extração de fragrâncias. Muitos textos sobre perfumes foram escritos no final do segundo milênio a.C., na Babilônia e em outras cidades mesopotâmicas, embora poucos forneçam detalhes completos sobre os processos envolvidos.

Mas há um texto que se acredita ser de uma perfumista chamada Tapputi, considerada a primeira perfumista — e possivelmente a primeira química — conhecida da história. Nele, é descrito um processo de destilação e filtragem de óleos aromáticos, uma técnica altamente avançada para a época. Os perfumistas da região produziam fragrâncias sofisticadas, altamente valorizadas e exportadas para diversas partes do mundo antigo.

Os homens se maquiavam tanto quanto as mulheres. Os olhos eram fortemente destacados com pós escuros feitos à base de fuligem, carvão ou minerais como o sulfeto de antimônio, enquanto as sobrancelhas eram grossas, porém delineadas com precisão. Tinham cabelos e barbas cuidadosamente tratados, muitas vezes ondulados ou encaracolados, com cortes bem delineados. Possuíam corpos bem feitos, esbeltos e altos.

Existem poucas referências visuais às mulheres da Babilônia, porque não era comum representá-las em esculturas ou murais. No entanto, o pouco que se tem registrado sugere que as mulheres usavam os cabelos longos soltos ou cacheados, caindo até o meio das costas, muitas vezes adornados com fitas ao redor da cabeça. A maquiagem era praticamente igual à dos homens: olhos bem marcados com pós escuros, especialmente nas pálpebras.

Homens e mulheres utilizavam perucas. Para clarear a pele, utilizavam uma base feita com cera de abelha. Os olhos eram excessivamente pintados com pós escuros, as maçãs do roto eram coloridas com pigmentos naturais de cor avermelhada como argilas e óxidos minerais, buscando realçar a beleza e causar impacto visual, especialmente para surpreender os guerreiros de outras regiões que chegavam à corte babilônica.

Por conta disso, registros históricos de outros povos relatavam que os guerreiros babilônicos pareciam afeminados por causa do uso intenso de maquiagem e adornos. No entanto, as representações artísticas que chegaram até nós da época — como esculturas e murais— mostram homens robustos, musculosos e nem um pouco femininos. Apenas guerreiros vaidosos.

Porém, os cosméticos na Babilônia não estavam ligados apenas ao desejo de beleza, mas também ao prestígio social e à devoção religiosa. Muitos cosméticos eram preparados em contextos sagrados ou cerimoniais, e suas fórmulas podiam conter elementos ritualísticos, sendo, em alguns casos, supervisionadas por escribas ou especialistas, como perfumistas e curandeiros da corte.

 

Assírios:

 

O Império Assírio foi erguido ao norte da Mesopotâmia (região que hoje corresponde ao norte do Iraque), às margens do rio Tigre, e atingiu seu auge entre aproximadamente 900 a 612 a.C.

Os assírios foram pioneiros em técnicas de guerra e organização militar. Eram guerreiros ferozes e implacáveis que espalhavam o medo por todo o Oriente Médio. Conquistaram muitos países e estabeleceram o maior império territorial já visto na época.

O rei Assurbanipal, poderoso soberano do Império Assírio, que governou o maior reino de sua época, criou em Nínive – capital da Assíria – a primeira grande biblioteca conhecida da história, reunindo milhares de tábuas de argila com textos literários, científicos, medicinais, religiosos e administrativos  do conhecimento mesopotâmico, que contribuíram significativamente para o avanço da ciência.

Os assírios era um povo um povo vaidoso, requintado e muito perfumado. Os homens usavam a barba cuidadosamente tratada e encrespada. Os cabelos eram longos, tradados e crespos, enfeitados com tiaras, fitas e toucados. As sobrancelhas tendiam a se unir na altura do nariz. Gostavam de usar adereços como brincos, colares e pulseiras de ouro. Os reis enfeitavam a barba e os cabelos com fios de ouro, prata ou ambos, evidenciando seu status e poder.

Também existem poucas referências às mulheres assírias, mas o que se sabe indica que usavam cabelos longos caindo sobre os ombros, em cachos laterais ou presos por fitas passadas ao redor da cabeça e amarrada atrás. As sobrancelhas não se uniam, e há indícios de que tinham o habito de se depilar.

Embora não existissem cabeleireiros como conhecemos hoje, havia criados especializados no cuidado com os cabelos e barbas masculinas — possivelmente os primeiros barbeiros da história.

Com o avanço de seu conhecimento químico, passaram a produzir pastas perfumadas misturadas a lacas e pigmentos, que eram cuidadosamente armazenadas em potes. Essas misturas eram aplicadas nas barbas e nos cabelos masculinos, e acredita-se que as mulheres também tinham acesso a essas fórmulas.

Além de suavizar os fios, esses produtos conferiam brilho e reflexos dourados ou prateados — especialmente usados em ocasiões festivas — demonstrando um surpreendente domínio das técnicas de tingimento e coloração.

Cosméticos brancos e vermelhos eram utilizados para maquiar o rosto. Os olhos eram fortemente destacados com pós escuros à base de fuligem, carvão ou sulfeto de antimônio, realçando seu tamanho e brilho. As partes do corpo que ficavam expostas também recebiam pigmentação com hena.

Plantas medicinais e cosméticas eram cultivadas nos jardins dos reis assírios para a saúde e beleza. Alguns estudiosos acreditam que os lendários Jardins Suspensos da Babilônia – uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo – eram, na verdade, os de Nínive, na Assíria.

Já existiam receitas voltadas ao rejuvenescimento, e os óleos essenciais faziam parte da química da época, sendo adicionados a cremes (feitos com gordura animal derretida e filtrada em panos de linho), porções, óleos aromáticos, além de serem usados também como remédio e em rituais religiosos.

 

Egípcios:

 

Pouco após o surgimento da civilização suméria, a civilização egípcia começou a se desenvolver no nordeste da África, principalmente ao longo do rio Nilo. Seu apogeu inicial ocorreu cerca de 400 anos após o início da Suméria, por volta de 3100 a.C., com a unificação do Alto e Baixo Egito sob o governo de um único rei — o faraó.

Nessa época, foi criado um tipo de papel flexível chamado papiro, feito da planta de mesmo nome. A partir daí, os escribas — homens letrados da época — foram encarregados de registrar o progresso social e econômico nos rolos de papiro, destacando todos os feitos reais e religiosos, além das receitas de medicina e cosmética, que puderam ser estudadas em detalhes pelos historiadores.

No Egito Antigo, os cosméticos faziam parte da rotina de cuidados com a beleza e higiene dos egípcios, não só porque realçavam a beleza, mas também porque tinham grande importância em rituais religiosos, proteção espiritual e saúde.

Papiros médicos e achados arqueológicos mostram que os egípcios utilizavam o kohl para delinear os olhos, escurecer os cílios e definir as sobrancelhas. O kohl era usado em duas cores predominantes, preto e verde, e servia para proteger da claridade intensa do deserto e manter os insetos afastados, evitando inflamações nos olhos, além de ter razões religiosas. Os egípcios acreditavam que delinear os olhos com um traço alongado afastava os espíritos indesejados.

Eles também usavam gordura animal, óleo vegetal, argila, cera de abelhas, mel e leite para preparar cremes e óleos destinados a hidratar, purificar e esfoliar a pele. Esses cuidados refletiam não apenas vaidade, mas também status social, higiene e crenças espirituais. Vamos falar com mais detalhes sobre os cosméticos no Egito Antigo em um próximo artigo da série Cosméticos na História.

 

Cretenses:

 

Na Europa, temos Creta, a terra que deu origem à primeira grande civilização em solo europeu. Por volta de 3000 a.C., a civilização minoica se desenvolveu na ilha de Creta. Eles eram excelentes navegadores e habilidosos construtores de navios, tornando-se uma potência comercial marítima, dominando rotas no Mediterrâneo oriental.

Seu período de maior prosperidade foi entre 1750 e 1400 a.C., quando o Palácio de Cnossos foi construído. Creta se tornou um importante cenário em alguns mitos da Grécia Antiga. Segundo a mitologia grega, Zeus nasceu em uma caverna na ilha de Creta, onde foi escondido por sua mãe para protegê-lo de seu pai, Cronos, até estar pronto para confrontá-lo e assumir o trono dos deuses no Monte Olimpo.

Os cretenses eram conhecidos perfumistas e fabricantes de cosméticos. Arqueólogos encontraram evidências de que usavam perfumes e cosméticos à base de óleos essenciais, ervas e flores. Era um povo vaidoso, perfumado, atlético e elegante.

Diferente de outras culturas da Antiguidade, as mulheres em Creta foram muito bem representadas nos murais do Palácio de Cnossos e em esculturas encontradas por arqueólogos. Podiam participar de diversas tarefas e atividades da sociedade cretense, inclusive dos jogos esportivos — algo incomum em outras culturas da mesma época.

As mulheres usavam maquiagem marcante,, os cabelos eram tratados e exibiam penteados elaborados. Usavam joias riquíssimas e trajes de luxo. Suas roupas eram longas, com decotes abaixo dos seios, deixando-os à mostra. Em geral, os cabelos cobriam levemente os seios, mas não havia a preocupação de escondê-los. Eram extremamente femininas e vaidosas.

O rosto, de aparência exótica e feminina, era maquiado com uma base branca – já conhecida dos egípcios, com que comercializavam. Os olhos eram delineados e alongados com Kohl, e os lábios pintados de vermelho. Usavam brincos grandes, que eram sempre deixados à mostra, penteando os cabelos dividido ao meio no alto da cabeça e puxado para trás das orelhas, caindo suavemente sobre os ombros. Os cabelos eram cacheados, e utilizavam ferro quente para frisá-los, deixando-os ainda mais ondulados.

Os homens exibiam a parte superior do corpo musculosa, por competirem em esportes como salto com touros e boxe. Usavam colares, pulseiras e faixas ornamentais nos bíceps. Mantinham cabelos longos, geralmente sem barba.

Por volta de 1450 a.C., Creta foi devastada, provavelmente devido a um terremoto ou à erupção do vulcão de Santorini (Tera), o que abriu caminho para a dominação da ilha. Assim, os povos do continente europeu absorveram muitos elementos da civilização cretense para formar sua própria cultura, chamada de micênica — uma das primeiras grandes civilizações da Grécia continental.

Por volta de 1200 a.C., as cidades micênicas foram destruídas, possivelmente por invasões dos chamados “Povos do Mar” e por conflitos internos, levando ao colapso da civilização micênica.

A partir de 800–701 a.C. (século VIII a.C.), a Grécia começou a se reerguer, com o surgimento das cidades-estados (pólis), como Atenas e Esparta, marcando o início do período que conhecemos como Grécia Antiga.

 

Grécia Antiga:

 

Uma das evidências mais conhecidas e bem documentadas em textos literários, fontes arqueológicas e estudos modernos sobre o uso de pó facial vem da Grécia Antiga, entre 800 e 323 a.C., embora registros semelhantes de período aproximado também tenham sido encontrados na China.

Vale lembrar que práticas cosméticas ainda mais antigas já eram comuns no Egito e na Mesopotâmia, como vimos.

As mulheres gregas aplicavam carbonato de chumbo, conhecido como chumbo branco, ou pó de giz no rosto para clarear a pele, pois pele clara era associada a status, beleza e nobreza. Utilizavam pigmentos vegetais e minerais como blush, faziam uso de perfumes e óleos perfumados para higiene e beleza, e cultivavam o hábito de se depilar. Vamos falar com mais detalhes sobre os cosméticos na Grécia Antiga em um próximo artigo.

 

China e Japão Antiga:

 

Chineses e japoneses também costumavam usar pó de chumbo ou pó de arroz para embranquecer o rosto, seguindo um ideal de beleza que associava pele branca a status social elevado, pureza e nobreza.

Na China, o pó de pérola também era amplamente utilizado para iluminar a pele e dar brilho natural. As chinesas usavam blush e batons feitos com pigmentos vegetais, extraídos de flores e frutos, para dar um ar jovial e saudável. As sobrancelhas eram moldadas e pintadas com muito cuidado.

Para perfumar o corpo, usavam sachês perfumados com ervas e especiarias presos às roupas e pomadas perfumadas aplicadas na pele. Além disso, decoravam as unhas com esmaltes preparados com goma arábica, gelatina, cera de abelha, ovo e corantes naturais.

Na China antiga, as unhas não eram apenas questão de beleza — elas também comunicavam posição social. A realeza e a nobreza usavam esmaltes dourados, prateados e, em períodos posteriores, vermelho ou preto, pois simbolizavam status elevado. Já as classes mais baixas eram frequentemente proibidas ou desencorajadas de usar tons vibrantes, pois essas cores eram reservadas à elite.

No Japão, além de usarem pó para embranquecer o rosto, raspavam as sobrancelhas naturais e desenhavam dois arcos arredondados altos na testa com tinta escura, criando uma expressão serena e artificial. Mulheres (e às vezes homens) casados ou da alta aristocracia pintavam os dentes de preto com um preparado de ferro e vinagre, sinal de beleza, maturidade e sofisticação.

Os lábios eram pintados de vermelho vivo apenas no centro, criando a ilusão de uma boca pequena, considerada elegante. As mulheres da elite japonesa mantinham os cabelos muito longos e lisos, às vezes até o chão, símbolo de feminilidade.

Esse tipo de maquiagem não era apenas estética: mostrava status elevado, refinamento cultural, afastamento do trabalho manual e da vida camponesa, e indicava se a mulher era casada ou adulta.

 

Roma  Antiga:

Na Roma Antiga, além de utilizarem chumbo branco, pó de giz, pó de arroz e trigo para clarear a pele, as mulheres aplicavam farinha de cevada e manteiga para tratar espinhas.

Para os olhos, usavam o kohl egípcio — conhecido como stibium — para escurecer cílios e sobrancelhas e contornar os olhos. Há também relatos de pigmentos naturais sendo usados para colorir as unhas. Vamos falar com mais detalhes sobre os cosméticos na Roma Antiga em um próximo artigo.

 

Chumbo Branco na Maquiagem  da Antiguidade

 

Essa busca pela pele pálida criou uma enorme demanda por maquiagem branca, especialmente entre a nobreza, o que impulsionou a produção em massa do chumbo branco sintético na China por volta do século VIII a.C., há cerca de 2800 anos, seguido pela Grécia Antiga no século IV a.C. e posteriormente por Roma Antiga, sendo usado na Europa em maquiagem e pintura artística até os séculos XVII–XVIII.

O chumbo branco tornou-se um dos pigmentos mais importantes da história da humanidade; sua síntese de baixo custo impulsionou o desenvolvimento da cosmética e das artes, mas também trouxe graves problemas de saúde.

O chumbo é um metal tóxico. Quando absorvido pela pele, inalado como pó ou ingerido acidentalmente (comum na maquiagem facial e tintas antigas), acumula-se no organismo, causando problemas como dor abdominal, irritabilidade, fraqueza muscular, perda de memória, dificuldade de concentração, lesões e inflamações na pele, além de infertilidade; em casos graves, pode provocar convulsões, coma e morte.

Ainda assim, o chumbo branco foi o pigmento mais utilizado na maquiagem da Antiguidade, devido à longa duração, facilidade de aplicação e efeito natural na pele.

a) The miniature bronze container of Fu (code M26:138); b) the white residue (LW-1a) on its lid; c) the SEM observation of sample LW-1a with multiple stacks layout; d) numerous pure lead white residue particles scattered within the soil off the bottom of M26:138; e) some elongated needles and prismatic lead white (LW-1c) gently separated from the soil of d; f) the SEM observation of sample LW-1c; g) the miniature bronze container of round-foot jar (code M26:137); h) the white residue (LW-2a) on its lid; i) the SEM observation of sample LW-2a with prismatic shape.

Achados arqueológicos em recipientes cosméticos de tumbas reais no norte da China, publicados na revista Humanities and Social Sciences Communication, mostraram, após análise química, que o chumbo branco era sintetizado na China no século VIII a.C. com uma técnica única e independente do método europeu, sendo usado como maquiagem quase 300 anos antes da Europa.

Na China, a produção envolvia o método de precipitação em solução: óxido de chumbo era dissolvido em vinagre (ácido acético), formando acetato de chumbo; depois, era adicionada uma solução rica em carbonato de potássio (das cinzas vegetais), que reagia formando carbonato de chumbo. O precipitado era filtrado, coletado e seco para uso como pigmento.

Na Grécia Antiga, no século IV a.C., o método para produzir chumbo branco sintético, chamado de psimythion, usava a corrosão: chapas de chumbo eram colocadas com vinagre em recipientes vedados ou enterrados em estrume (para gerar calor e CO₂). O chumbo reagia com ácido acético, formando acetato de chumbo, que, em presença de CO₂, transformava-se em carbonato básico de chumbo. A crosta branca era raspada, triturada, lavada e secada.

Esse processo foi descrito por Teofrasto, filósofo e naturalista grego, em seu tratado Sobre as Pedras:

“O psimythion (chumbo branco) é preparado de chumbo e vinagre. Colocam-se pedaços de chumbo acima do vinagre, e depois de algum tempo, uma crosta branca se forma, a qual é raspada.”

Portanto, a invenção do chumbo branco sintético revolucionou a maquiagem antiga, influenciando significativamente a indústria cosmética do primeiro milênio a.C. Esse pigmento foi amplamente aplicado não apenas por reis e rainhas, mas também por mulheres da elite, mostrando como seu uso se espalhou no mundo da beleza na Antiguidade.

Viu como o uso dos cosméticos atravessa milênios? Muito além da estética, eles revelam crenças, valores e hábitos de civilizações inteiras.

E essa foi só a primeira parte da nossa jornada!

Até a próxima!

 

Referências:

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Early Excavations in Assyria. The Metropolitan Museum of Art.

Beyond Babylon. The Metropolitan Museum of Art.

Assyria to Iberia at the Dawn of the Classical Age. The Metropolitan Museum of Art.

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Who was Ashurbanipal? The British Museum.

Introducing the Assyrians. The British Museum.

A library fit for a king. The British Museum.

Paradise on earth: the gardens of Ashurbanipal. The British Museum.

The British Museum. Collection

Raoof, Enas;  El-Kilany, Engy. Facial Cosmetics in Ancient Egypt.Faculty of Tourism and Hotels, Minia University. Egypt Egyptian Journal of Tourism Studies. Vol.16, No.1, 2017.

Riesmeier, M., Keute, J., Veall, MA. et al. Recipes of Ancient Egyptian kohls more diverse than previously thought. Sci Rep 12, 5932 (2022).

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Vita, Ana Carlota R. História da Maquiagem, da Cosmética e do Penteado: Em Busca da Perfeição.  1. ed. São Paulo: Editora Anhembi Morumbi, 2009.

Carboncini, Ana. Perfume e Maquiagem Numa Exposição. Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand. 1978.

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