Descobrir qual tensoativo e a quantidade certa que deve usar para qualquer fórmula específica é um desafio que todo formulador cosmético enfrenta. Portanto, hoje vamos falar sobre como calcular o EHL de uma emulsão para te ajudar a formular produtos estáveis. Confira!
Apesar de existir uma grande quantidade de pesquisas sobre tensoativos e seu comportamento, ter que estudar as equações termodinâmicas e os diagramas de fase associados aos tensoativos pode ser uma tarefa assustadora, ou usar o bom e velho método da tentativa e erro pode acabar resultando em perca de tempo e matérias-primas, sem mencionar o vasto número de tensoativos disponíveis no mercado atualmente.
Mas para nossa sorte, William C. Griffin desenvolveu uma maneira de simplificar a seleção de tensoativos utilizando a proporção entre a porção hidrossolúvel (solúvel em água) e lipossolúvel (solúvel em matéria graxa) da molécula, de modo que a solubilidade final da substância é o resultado da combinação entre essas porções.
Este método afirma que toda molécula de tensoativo apresenta uma parte lipofílica e outra hidrofílica e o equilíbrio do tamanho da força destes dois grupos opostos é referido como EHL (Equilíbrio Hidrófilo-Lipófilo) ou HBL (Hydrophile Lipóphile Balance) em inglês, ou seja, uma razão entre sua afinidade e repulsão à água.
A ideia de Equilíbrio Hidrófilo – Lipófilo (EHL) para a classificação e seleção de emulsionantes foi publicado pela primeira vez pela Atlas Powder Company em 1948. E em 1949, William C. Griffin, químico da empresa, apresentou formalmente o conceito de EHL pela primeira vez na reunião do Chicago Chapter of the Society of Cosmetic Chemists e posteriormente publicou um artigo no Journal of the Society of Cosmetic Chemists, tornando o método uma ferramenta a disposição de formuladores para determinar a combinação ideal de emulsificantes necessária para obter uma formulação estável.
Dessa forma, o Equilíbrio Hidrófilo-Lipófilo (EHL) é uma propriedade importante que classifica numericamente os tensoativos e ajuda a prever o comportamento do processo de emulsificação, podendo ser usado como uma ferramenta para evitar alguns problemas de estabilidade em emulsões, tais como:
No método de Griffin cada tensoativo é classificado por um número que varia de 1 a 40, o qual aumenta à medida que a substância se torna mais afim da água.
Logo, se o valor de EHL é baixo, o número de grupos hidrofílicos no tensoativo é pequeno, o que significa que ele é mais solúvel em matéria graxa do que em água. Em contrapartida, se o valor do EHL é alto, significa que existe um grande número de grupos hidrofílicos na molécula, portanto o tensoativo é mais solúvel em água do que em óleos.
Dessa forma, o Equilíbrio Hidrófilo – Lipófilo de um tensoativo é uma importante propriedade no processo de emulsificação, pois é um excelente indicativo do tipo de emulsão que será formada. Emulsionantes de baixo EHL (EHL entre 4 e 8) propiciam a formação de emulsões A/O, enquanto que emulsionantes com altos valores de EHL (entre 10 e 16) formam emulsões O/A. Uma vez que tensoativos de EHL baixo têm maior afinidade pelo óleo que pela água, eles são mais eficientes em manter o óleo na fase externa. E o contrário também é correto para tensoativos de EHL alto.
Portanto, ao se conhecer os valores de EHL é possível predizer o comportamento esperado da emulsão, fornecendo assim orientação para as aplicações práticas.
A tabela abaixo relaciona o EHL de diversos agentes emulsificantes.
Tabela 1 – Valores aproximados de EHL de alguns emulsificantes:
Tabela 2 – Faixa de EHL versus Atividade dos Tensoativos
Tabela 3 – Valores de EHL requeridos por algumas substâncias lipídicas utilizadas em emulsões
Resumidamente, o sistema EHL permite atribuir um número a uma substância ou a uma combinação de substâncias que se deseja emulsionar e, em seguida, escolher um emulsionante ou mistura de emulsionantes com este mesmo valor.
Porém, pode ocorrer o emprego de um novo tipo de óleo ou tensoativo que ainda não teve seu valor do EHL determinado, sendo assim, necessário estabelecer previamente o EHL dessas substâncias experimentalmente.
No caso de uma substância oleosa, prepara-se uma série de emulsões contendo quantidades iguais da substância em análise, da fase aquosa e da mistura de dois emulsificantes de valor de EHL conhecido, combinados em proporções variáveis e lineares, de modo que resultem em sistemas com valores de EHL definidos.
Após 24h, procede-se ao exame das emulsões e identifica-se aquela que for mais estável. Assim, admite-se que a substância em estudo tem valor de EHL correspondente à mistura de emulsificantes que resultou na formulação mais estável.
No caso de uma substância emulsificante com EHL desconhecido, pode-se utilizar o mesmo procedimento experimental descrito acima, mas desta vez o problema será o EHL do novo emulsificante, em vez da substância oleosa:
CÁLCULO DO EHL EM FORMULAÇÕES DE EMULSÕES
A classificação dos métodos de determinação do EHL pode ser dividida em método teórico, que relaciona o EHL de um tensoativo com sua estrutura molecular; método direto, que compara visualmente o comportamento de tensoativos com padrões de EHL conhecidos e métodos indiretos, que relaciona o EHL dos compostos medindo seus componentes físico-químicos (ZANIN, 2002).
Dentro da metodologia teórica, no Sistema EHL são atribuídos valores requeridos de EHL para os óleos e substâncias semelhantes e os emulsificantes a serem empregados devem ter o EHL mais próximo ao da fase oleosa da emulsão pretendida.
Por exemplo, se olharmos a Tabela 3 acima, podemos ver que o ELH requerido para o óleo mineral é igual 5 para emulsões A/O e 11- 12 para emulsões O/A.
Portanto, tomando como base a formulação abaixo podemos calcular EHL da emulsão e quantidade de cada tensoativo pelas seguintes etapas:
EXEMPLO 1:
FÓRMULA:
1. Determinar a quantidade total da fase oleosa:
35g +1g + 1g = 37g de fase oleosa total
2. Calcular a fração de cada componente oleoso na fase oleosa:
Óleo Mineral: 35/37= 0,946
Lanolina: 1/37= 0,027
Álcool cetílico: 1/37= 0,027
3. EHL necessário para cada componente x fração do componente na fase oleosa:
Óleo Mineral: 0,946 x EHL óleo mineral (ver tabela 3) → 0,946 x 12 = 11,4
Lanolina: 0,027 x EHL lanolina (ver tabela 3) → 0,027 x 10 = 0,3
Álcool cetílico: 0,027 x EHL álcool cetílico (ver tabela 3) → 0,027 x 15 = 0,4
4. EHL final igual à soma de cada valor obtido na etapa 3:
11,4 + 0,3 + 0,4 = 12,1 (EHL total da emulsão)
5. Selecionar o tensoativo com valor de EHL mais próximo do obtido. Calcular a proporção de cada tensoativo que será utilizado para emulsificar a formulação apresentada:
Estabelecendo que o sistema emulsificante será formado por uma mistura de A=Span 80 e B= Tween 80, podemos calcular as quantidades de cada emulsificante.
Sabe-se que:
EHL requerido = 12,1
EHLA= 4,3 (ver tabela 3)
EHLB= 15 (ver tabela 3)
Sist. Emulsificante = 5 g
A e B são frações dos emulsificantes
12,1 = [(1-B) x 4,3] = B x 15
12,1 = 4,3 – 4,3B = 15B
12,1 – 4,3 = 15B = 4,3B
7,8 = 10,7B
7,8/ 10,7 =B
B= 0,73
A= 1- B
A = 1- 0,73
A = 0,27
Considerando que temos 5g total de tensoativo, temos:
A= 0,27 x 5g = 1,35 g de Span 80
B = 0,73 x 5g = 3,65 g de Tween 80
EXEMPLO 2:
FÓRMULA:
1. Determinar a quantidade total da fase oleosa:
25g +20g = 45g de fase oleosa total
2. Calcular a fração de cada componente oleoso na fase oleosa:
Petrolato: 25/45= 0,56
Álcool cetílico: 20/45= 0,44
3. EHL necessário para cada componente x fração do componente na fase oleosa:
Petrolato: 0,56 x EHL petrolato (ver tabela 3) → 0,56 x 8 = 4,5
Álcool cetílico: 0,027 x EHL álcool cetílico (ver tabela 3) → 0,44 x 15 = 6,6
4. EHL final igual à soma de cada valor obtido na etapa 3:
4,5 + 6,6 = 11,1 (EHL total da emulsão)
5. Selecionar o tensoativo com valor de EHL mais próximo do obtido. Depois, calcular a proporção de cada tensoativo que será utilizado para emulsificar a formulação apresentada:
Estabelecendo que o sistema emulsificante será formado por uma mistura de A= Tween 80 e B=Span 80, podemos calcular as quantidades de cada emulsificante.
Sabe-se que:
EHL requerido = 11,1
EHLA= 15 (ver tabela 3)
EHLB= 4,3 (ver tabela 3)
Sist. Emulsificante = 2 g
A e B são frações dos emulsificantes
% (a) = 100 (11,1 – 4,3) / (15 – 4,3)
% (a) = 100 x 6,8/ 10,7
% (a) = 680/ 10,7
% (a) = 64% ou 0,64
% (b) = 100 – 64
% (b) = 36% ou 0,36
Considerando que temos 2g total de tensoativo, temos:
A= 0,64 x 2g = 1,28 g de Tween 80
B = 0,36 x 2g = 0,72 g de Span 80
EXEMPLO 3:
FÓRMULA:
1. Determinar a quantidade total da fase oleosa:
8 + 4 + 3 + 35 = 50g de fase oleosa total
2. Calcular a fração de cada componente oleoso na fase oleosa:
Cera de abelha: 8/50= 0,16
Cera de carnaúba: 4/50= 0,08
Lanolina: 3/50= 0,06
Óleo mineral: 35/50= 0,70
3. EHL necessário para cada componente x fração do componente na fase oleosa:
Cera de abelha: 0,16 x EHL cera de abelha (ver tabela 3) → 0,16 x 9 = 1,44
Cera de carnaúba: 0,08 x EHL cera de carnaúba (ver tabela 3) → 0,08 x 12 = 0,96
Lanolina: 0,06 x EHL lanolina (ver tabela 3) → 0,06 x 12 = 0,72
Óleo mineral: 0,70 x EHL óleo mineral (ver tabela 3) → 0,70 x 12 = 8,4
4. EHL final igual à soma de cada valor obtido na etapa 3:
1,44 + 0,96 + 0,72 + 8,4 = 11,5 (EHL total da emulsão)
5. Selecionar o tensoativo com valor de EHL mais próximo do obtido. Depois, calcular a proporção de cada tensoativo que será utilizado para emulsificar a formulação apresentada:
Estabelecendo que o sistema emulsificante será formado por uma mistura de A= Span 60 e B= Tween 80, podemos calcular as quantidades de cada emulsificante.
Sabe-se que:
EHL requerido = 11,1
EHLA= 4,7 (ver tabela 3)
EHLB= 15 (ver tabela 3)
Sist. Emulsificante = 5 g
A e B são frações dos emulsificantes
% (a) = 100 (11,52 – 4,7) / (15 – 4,7)
% (a) = 100 x 6,8/ 10,3
% (a) = 680/ 10,3
% (a) = 66% ou 0,66
% (b) = 100 – 66
% (b) = 34% ou 0,34
Considerando que temos 5g total de tensoativo, temos:
A= 0,66 x 5g = 3,30 g de Span 80
B = 0,34 x 5g = 1,70g de Tween 80
Normalmente, é mais comum exemplificar com misturas de apenas dois emulsificantes, mas nada impede que os formuladores utilizem o método de EHL para trabalhar com 1, 2, 3 ou mais emulsificantes.
Lembrem-se: o objetivo é encontrar uma combinação de emulsificantes que corresponda ao EHL final da emulsão!
Porém, embora seja uma ferramenta muito útil, o sistema HLB apresenta algumas limitações. Por exemplo, ingredientes adicionais da fase aquosa não são considerados, mas ainda podem afetar a estabilidade.
QUANTO EMULSIONANTE DEVE TER UMA FÓRMULA BALANCEADA PELO MÉTODO EHL (HLB)?
É evidente que, além de escolher o emulsificante ou uma mistura de emulsificantes compatíveis e suas devidas proporções de acordo com o EHL requerido pela fase oleosa, é preciso determinar a quantidade do emulsionante escolhido.
Uma quantidade insuficiente para recobrir completamente as gotículas da fase interna prejudica a estabilidade da emulsão, enquanto o excesso pode ocasionar a formação indesejável de espuma e maior incorporação de ar na fórmula. Além disso, o excesso abusivo de emulsificantes pode ser irritante para a pele e representa um custo desnecessário.
Na prática, por regra, utiliza-se de 0,5 a 5% em peso da formulação total de tensoativo primários, ajustando experimentalmente a concentração ideal.
Mas, a quantidade precisa de emulsificante nas emulsões também pode ser calculada através da seguinte equação:
A decisão de qual método usar depende das preferências do(a) formulador(a) e da cultura da empresa em que ele(a) trabalha. Algumas empresas adotam uma abordagem mais científica, outras pressionam por resultados rápidos.
Ambas as abordagens podem funcionar corretamente, contudo, o método de tentativa e erro tem maior probabilidade de resultar em uma formulação que ao fim de três meses de estudo de estabilidade acelerada descobre-se inadequada.
Pense nos recursos e tempo desperdiçados e em como a ciência pode trabalhar em seu favor! É claro que todo método científico tem suas limitações, mas pelo menos as limitações dos métodos científicos são conhecidas…
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Referências:
WC Griffin; Cálculo dos Valores HLB de Surfactantes Não-Iônicos, Journal of the Society of Cosmetic Chemists ; 1954. Vol. 5, pág. 249-235
Oliveira, Fernanda Silva. REVISÃO DA IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DO EQUILÍBRIO HIDRÓFILOLIPÓFILO (EHL) E DETERMINAÇÃO DO EHL DO ÓLEO DE PRACAXI. Universidade Federal de Ouro Preto, Monografia, 2017.
Ferreira, Anderson de Oliveira. Guia Prático de Farmácia. Vol 1.
Anfarmag. Aspectos farmacotécnicos na manipulação de esmulsões.
Emulsões. Disciplina de Farmacotécnica – FBF 341. Profa. Dra. Vladi Olga Consiglieri.